Teresa Colomer: "Literatura não é luxo. É a base para a construção de si mesmo"
Coordenadora do Grupo de Pesquisa de Literatura Infantil e Juvenil e de Educação Literária (Gretel), da Universidade Autônoma de Barcelona, fala sobre o ensino de literatura na escola
Paula Takada (novaescola@fvc.org.br)
Teresa Colomer Doutora em Ciências da Educação e coordenadora do Grupo de Pesquisa de Literatura Infantil e Juvenil e de Educação Literária (Gretel), da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), na Espanha
Para ela, um dos aspectos do fracasso do estímulo à leitura que mais chamam a atenção tem a ver com a aprendizagem escolar. Ler e escrever são as primeiras tarefas em que as crianças podem não alcançar o que se espera delas. Então, criam defesas, passam a dizer "eu não gosto de ler", na tentativa de se preservar.
Autora de Andar entre Livros - A Leitura Literária na Escola (208 págs., Ed. Global, tel. 11/3277-7999, 42 reais) e Formação do Leitor Literário: A Narrativa Infantil e Juvenil Atual (456 págs., Ed. Global, edição esgotada), Teresa palestrou no evento Conversas ao Pé da Página, promovido pelo Sesc São Paulo, pelo Centro de Estudos em Leitura, Literatura e Juventude A Cor da Letra e pela revista digital independente Emília.
Como definir o que é um leitor literário competente?
TERESA COLOMER É qualquer pessoa que pode desfrutar da literatura lendo. Todos os que completaram a escolaridade obrigatória ou estão nela deveriam ter competência mínima nessa área. Se depois de adultos não quiserem ler, é uma escolha deles. Mas ninguém tem condições de tomar essa decisão se não conhece suficientemente esse universo.
Que competências a escola precisa trabalhar para formar leitores literários?
TERESA São muitas as habilidades envolvidas para que se possa ler, compreender e interpretar um texto e relacioná-lo com o mundo cultural. Uma delas tem a ver com rapidez e fluência: quem lê de forma muito lenta não consegue entender o que o texto diz. Outra é saber relacionar as informações que aparecem na obra. Também é preciso ensinar os alunos a se movimentar no mundo da cultura e da língua literária. Isso implica saber como funcionam as bibliotecas - incluindo o que fazer para encontrar uma obra nas estantes -, que os livros são vendidos nas livrarias, que existem títulos traduzidos e que faz diferença saber quem traduziu, pois o texto lido pode não ser fiel à obra original.
Ler literatura de maneira satisfatória impacta na formação de um bom escritor?
TERESA Acredito que ninguém pode escrever literatura se não lê. É como quem se propõe a tocar música sem ter ouvido várias. Ao ler, temos condições de aprender como funciona a linguagem escrita, os modelos narrativos, as vozes dos personagens. Quem não é leitor pode até escrever como se fala, limitando-se aos modelos orais, mas não outros registros literários intencionalmente mais elaborados. Por isso, a prática da leitura tem tanta importância na escola.
Quais as funções da literatura?
TERESA São muitas, entre elas apresentar outras perspectivas, permitir ao leitor se colocar na pele de outras pessoas e ver o mundo com distintos olhos. Ela também está relacionada à fantasia, à fabulação, que é uma necessidade humana, e por isso inventamos histórias desde sempre. E mais: a literatura constrói comunidades ao reunir pessoas que têm os mesmos referenciais, gostam dos mesmos personagens e das linguagens. Graças à poesia, por exemplo, lutamos com a nossa incapacidade de expressar tudo o que sentimos. Ela é o laboratório da língua e, tal qual as artes plásticas e a música, gera prazer.
Ampliar o vocabulário é outra função da literatura?
TERESA Certamente. No cotidiano, usamos um conjunto restrito de palavras que aprendemos oralmente. Além dele, toda linguagem a mais é aprendida por meio de textos escritos. Se uma criança não lê, não progride nessa aprendizagem e tende a ser alguém que se porta de maneira muito frágil no mundo, pois não domina os discursos, pelo contrário, é dominado pela fala alheia. Ter um amplo repertório ainda é importante para saber o que sente e o que pensa e dialogar com os demais. Literatura não é luxo. É a base para a construção de si mesmo.
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