sexta-feira, 8 de abril de 2016

Telma Weisz fala da alfabetização nas escolas públicas nas últimas décadas-http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/telma-weisz-fala-alfabetizacao-escolas-publicas-ultimas-decadas-683815.shtml

Telma Weisz fala da alfabetização nas escolas públicas nas últimas décadas

Uma das maiores especialistas em alfabetização no Brasil trata das práticas escolares frágeis que não ensinam a ler e escrever, das mudanças no ensino nas últimas décadas e da qualidade da formação docente

Beatriz Santomauro (novaescola@fvc.org.br)
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Telma Weisz. Foto: Gustavo Lourenção
Telma Weisz
Há 50 anos, ainda estudante do curso Normal, ela assumiu como professora sua primeira turma de 2ª série. "Não sabia nada sobre alfabetização", revela Telma Weisz. Suas vivências quando criança colaboraram para que analisasse a maneira pela qual os alunos aprendem. Começou a ler e escrever antes mesmo de ir à escola graças a um insistente contato com gibis e uma lista de nomes de pessoas da família escrita pela mãe, a pedido dela. "Usava aquelas palavras, já conhecidas, para comparar com outras que encontrava."

Sua trajetória como educadora e formadora de professores é marcada por feitos importantes para a história da Educação no Brasil. Foi uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa, consultora do Ministério da Educação (MEC) e supervisora pedagógica na elaboração e na implementação do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa). No livro O Diálogo entre o Ensino e a Aprendizagem (133 págs., Ed. Ática, tel. 4003-3061, 43,90 reais), discutiu a diferença entre os processos que dão nome à obra. Escreveu também a apresentação de Psicogênese da Língua Escrita (300 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-7033-444, 61 reais), título sobre as pesquisas realizadas pela psicolinguista Emilia Ferreiro e pela pedagoga Ana Teberosky, ambas argentinas.

Telma segue se dedicando às questões do mundo da alfabetização. É coordenadora do curso de pós-graduação sobre o tema no Instituto Superior de Ensino Vera Cruz (Isevec), na capital paulista. Responde também pela implementação e supervisão do Programa Ler e Escrever, que capacita os professores da rede estadual paulista e pela elaboração da prova do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), aplicada aos alunos do 3º ano - ambas iniciativas com ótimos resultados. "Os dados das provas de 2011 revelam que 94,7% das crianças de 8 anos estão alfabetizadas", comemora.

Nesta entrevista a NOVA ESCOLA, Telma fala sobre a alfabetização ontem e hoje, traçando um panorama da área e apontando as fragilidades de algumas práticas atuais, e reflete sobre sua prática como educadora.

Qual a principal mudança na Educação desde os anos 1960, quando teve início seu trabalho na área?
TELMA WEISZ 
Há 50 anos, metade da população fracassava na escola porque ela não era para todos. Se não fossem de classe média ou alta, as crianças eram tratadas como não ensináveis. Isso ficou mais evidente com a expansão do acesso ao ensino para as classes populares e pela migração da classe média para as instituições particulares. Essa separação pode ser notada até hoje, mas menos do que antes. A maioria dos professores atualmente assume que é obrigação ensinar a todos, ainda que não consiga. Mas não era assim que se pensava.

Quais os avanços na alfabetização? 
TELMA 
A grande mudança foi no início dos anos 1980, quando Emilia Ferreiro descobriu e publicou os dados de uma pesquisa sobre a psicogênese da língua escrita. Naquela época, no Brasil, não se falava mais sobre alfabetização. Isso era considerado um problema sem solução. Quando se divulgou a investigação da psicogênese, houve um renascimento da questão. A discussão não era mais sobre métodos infalíveis para todas as crianças ou qual era o método bom para os ricos e qual o bom para os pobres. Pela primeira vez, foi possível um olhar construtivista sobre um conteúdo escolar, aliás, sobre o mais escolar de todos os conteúdos. O sistema de ensino, que era feito para ensinar a ler e escrever, não conseguia dar conta disso e, de repente, se começou a vislumbrar uma possibilidade. O maior interesse pela pesquisa psicogenética foi na esfera pública, e não na privada, onde essa questão não era tão problemática. A rede estadual de São Paulo foi a precursora: em 1984, começou a difundir a informação. Fui convidada para trabalhar lá porque era estudiosa do assunto.

Apesar de frequentarem a escola há anos, muitos jovens têm dificuldades para ler e escrever. Por quê?
TELMA 
Os analfabetos funcionais são produto de uma escola que produz não-leitores e não-escritores. Há uma ideia falsa de como se aprende a ler e escrever e o currículo - cheio de ideias ultrapassadas - é reflexo disso. Ensina-se gramática para que a turma produza textos escolares. Enquanto o ensino tiver esse foco, formaremos pessoas que não saberão ler e escrever. Não são as aulas de gramática normativa que levam alguém a ser um bom escritor. Bons textos são feitos por quem lê e redige regularmente.

Que contribuições a psicogênese proporcionou à área?
TELMA 
Ela chegou para destacar a validade de pensar no conhecimento já adquirido pelas crianças independentemente da classe social a que pertenciam. Isso permitiu aos educadores olhar para o objeto de conhecimento e para o processo de aprendizagem por um novo ângulo. Era preciso dialogar com o aluno sobre o que ele sabia. Ocorreram muitas coisas interessantes para marcar a diferença no ensino. O professor passou a ser chamado de mediador, e o ensino, mediação, por exemplo. Hoje, esses termos não estão mais em voga, mas naquele momento foram importantes, uma forma de destacar que não era mais do mesmo. Quando a psicogênese entrou na escola, ocorreu um processo de construção de uma didática da alfabetização. A produção de práticas de ensino se tornou intensa a partir de 1985. O trabalho com projetos se desenvolveu depois, mas a forma de criar situações em que a garotada pudesse refletir sobre a escrita, seja sobre a linguagem, seja sobre o sistema, já vinha sendo pesquisada. No Brasil, não existia investigação didática, mas muita coisa interessante foi criada nos projetos de formação de professores.

As pesquisas não eram realizadas nas universidades? 
TELMA 
Não. No Brasil, a universidade esteve ausente, diferentemente do que ocorreu na Espanha, no Uruguai e na Argentina. Aqui, quem estudou o tema trabalhava com formação, como eu, e divulgava o conhecimento por meio de cursos e vídeos.

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